quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Avistando uma águia


Caminhar

Ando de pé. Sobre dois pés. Um de cada vez, por vezes até nenhum toca o chão. O pé contra o chão. O chão sustenta, segura. Se é pedra, contra a elasticidade do pé e da perna, eleva. Salta o corpo, para a frente, em desequilíbrio. Um desequilíbrio controlado. Caminhar é gerir o meu desequilíbrio. Encontrar o ponto de apoio sob o pé de apoio e avançar, confiando que a seguir haverá novo ponto de apoio. Só o presente e a intenção do futuro. E as botas.
Roda o corpo, salta como uma mola, sem violência, só esforço que conquista a leveza das alturas. O coração bate por dentro, forte, e a respiração compassada, interiorizada, é como um mantra, uma oração, um arquejar apaixonado. 
É assim que quero viver. Assumir o meu desequilíbrio, o risco, a liberdade. 
Uma a uma, soltar as amarras do peso, para que ele de facto pese e me leve para onde a minha alma está. O peso é o amigo do caminhante. É o que o move para a frente. A esse peso chamo desejo. Que desejo eu? A água fresca das fontes, o cheiro a verde depois da trovoada, a dureza dos penedos, a imensidão dos cimos. A lealdade dos cães pastores, a indiferença dos garranos, a desconfiança das cabras, o voo silencioso das águias, a presença oculta dos lobos, a ausência dos ursos. O monte. O monte que se inscreve nas pernas com golpes de carqueja e urze. Que nos perde dentro de si para nos encontrarmos. Para nos superarmos. Para revivermos para além do medo de estarmos perdidos.
O Gerês.