sábado, 3 de setembro de 2011

Saudade

Palavra dita portuguesa, mas que designa um universal. Sentimento de afastamento e de pertença. Só há afastamento, sensação de desterro, porque há pertença. Confusão do onde e do quem. Implica estar longe, de um lugar onde a nossa identidade está. E do nosso sangue, seja ele genético, seja ele espiritual. O onde e o quem, misturados: a nossa gente, a nossa terra.
Eu nasci desterrada. Cabra montesa desde que pude andar, empilhava banco em cima de cadeira e cadeirinha em cima de banco, para alcançar o cimo do frigorífico. A minha querida avó ficava em pânico. Ela é da planura do Alentejo. Andava de pé sobre as costas dos sofás, e a minha avó alentejana em cuidados. Pequenina como sempre fui, trepava às árvores que as minhas pernas permitiam, subia a prédios em construção... Andava na serra (minúscula) a que tinha acesso, andava pelos campos entre Odivelas e o Olival Basto, entre as vacas que então ainda por lá pastavam, por esses campos agora cobertos de alcatrão. Andava à procura da minha paisagem. Conheci-a depois. Mas sem gente. Não conheci quem se encontrasse lá como eu.
Ia lá, insistia em ir, mas julgo que ia sozinha, ainda que acompanhada. Arrastava atrás de mim? Talvez. Implica tenda, falta de conforto, esforço... Não se compadece da decadência do hotel. Chove-nos em cima em pleno Agosto ou faz um calor que morde a pele. Os insectos picam, as plantas arranham, a gente perde-se. Implica comer de lata, roupa suja, falta de tudo, despojamento. Não se compadece da decadência ordeira da cidade.
Ia, mas não me tornava num ser inteiro. Tinha rédeas e cabresto. Compostura.
Só este ano tive liberdade. Fui sozinha. 410 kms. Porque quis. Porque o Gerês é a minha 'coisa'. Ou eu sou dele... Deixei, bem sei, a família em cuidados. A minha avó dizia para não me meter nos fogos, mas o fogo estava dentro, à espera de se soltar.

Abri os olhos e vi, pela primeira vez, gente da minha gente. Outras cabras montesas - umas mais, outras menos, mas algumas muito, muito mais que eu. Que me ensinaram, que me mostraram, que partilharam comigo o Gerês.
E senti-me única, porque parte de um todo. Estranha singularidade, esta que se encontra ao encontrar outros. Como se o olhar do outro me fizesse ser: fui reconhecida, diria Hegel.
Fico reconhecida por essa partilha.
E cheia de saudades, da minha terra, da minha gente, não pelo sangue ou pela naturalidade, mas pela geração espiritual: a dos nascidos para subir.

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