segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ventuzelo

Sabia que era por ali, mas já não me lembrava onde começava o estradão para lá. Do banco de trás do carro, disseste onde era e também que estava abandonada. A casa-abrigo de Ventuzelo. Eu não sabia. E na altura não pensei muito nisso. Relatei os bons momentos que tinha lá passado, com aquele grupo, o 'grupo de Ventuzelo', nas palavras de hoje de um dos amigos que restam dessa altura.
Hoje, finalmente, percebi a ruína. O abandono. Tal como a casa, também o grupo. Éramos colegas e professores de Filosofia. Íamos para o Gerês caminhar e traduzir juntos. Partilhávamos a casa como os pensamentos e os passos. Eu lembro-me de me maravilhar ao acordar, de Inverno, acima das nuvens. Da frescura da fonte. De não sentir tanto frio como esperava. De gostar das minhas primeiras botas de caminhada. De ficar acordada, com os colegas, à lareira, até de madrugada, todos demasiado entusiasmados para dormir. Como cachorrinhos à volta do fogo. (E as camas, tão frias e húmidas, não apeteciam...)
Todos unidos pelo mesmo amor à Verdade. E uns aos outros, porque isso nos ligava. E o Gerês era o enquadramento perfeito, o lugar propício, o tempo oportuno. Uma espécie de família à volta da mesa, rodeada de pedra, rodeada por montes. Um mundo à parte. Um mundo de pertença, foi o que a faculdade foi para mim, um mundo protegido, seguro, cheio de expectativa e encanto.
Um mundo que perdi, que deixei arruinar, como a casa de Ventuzelo. Abandonei-o. Está povoado de fantasmas e equívocos. E tristeza. Estou hoje de luto pelo que abandonei.
Não foi premeditado. Não foi por nenhuma mágoa. Foi porque deixei de ter importância para mim mesma e pensei que também não importava para os outros. Apaguei-me. A minha luz, a pouco e pouco, abandonou-me, fiquei no canto escuro do isolamento a dois.
Só agora, depois dos dias de felicidade a caminhar, é que percebi o que tinha deixado de ser, o que perdi, o quão pouco feliz tinha passado a ser, durante tantos anos... O quanto sinto falta da casa-abrigo. De lá chegarmos ao cair da tarde, com a lareira acesa, qual incêndio interior, assustador e reconfortante, depois da caminhada.

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