quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Voltar a Vilarinho

Vou voltar. 21 dias depois de vir para baixo. 


Reduzida agora à expectativa de uma viagem alinhavada, imagino menos do que antes. Esperam-me os mesmos 410 quilómetros, agora de camioneta, em duas partes. A primeira até Braga, e daí para lá a segunda. Vou dormir no caminho, noite dentro, até de madrugada, como se quisesse que essa distância fosse apagada. Espero dormir.


No fim, aguarda-me subir à Calcedónia. Mal chegue, far-me-ei ao caminho. Pois é para isso que vou, para caminhar, para fazer avançar os meus passos em desequilíbrio. Temo e anseio. Arrisco. Vou fazer a fenda, passar pelo caminho estreito, aprender a subir com o corpo todo. Sentir o meu corpo todo no esforço. Ser eu, apropriar-me de mim, do que eu penso, sinto e quero. Condição para que me eleve e extravase. 


Depois, no dia seguinte, o Pé de Cabril, onde deixei a alma numa gargalhada verdadeira diante de um obstáculo maior do que eu, e que depois já não o foi, nem maior do que eu nem obstáculo. O meu corpo respondeu-lhe à altura, nem eu sei como. E a minha alma ficou lá presa, na gargalhada, no movimento, na profunda satisfação. Quiseste ajudar-me a descer, eu não deixei. Se já o tinha subido! 


Isto aprendi lá: de nada depender. De ninguém. Mas quando se está, é porque se quer, porque se gosta. Agora. Por dádiva de si ao que se ama. Estar inteiro no que se faz. Pois, por vezes, a vida depende disso, em desequilíbrio. Dessa imensa concentração no essencial. E é em desequilíbrio que me encontro. Já não estou aqui, sou tensão, uma flecha apontada a Vilarinho, ao Gerês. Porque para aí? Que tem esse lugar? Tira-me tudo, obriga-me a pesar todo o peso que trago às costas e a largar o que não importa. A só levar o essencial.  Abrigo, comida e, acima de tudo, entrega. Sem rede. Até sem abrigo e sem comida... Contando que a vida dá, se a ela nos entregarmos.


O essencial... O que é? Essa é a questão. O que está lá a puxar-me? A liberdade do lobo. E a sua lealdade. A dureza do monte. E a sua beleza. A contradição plena de sentido. A impossibilidade, o não-ser prenhe de possibilidades. É isso que procuro. Chama-se futuro, chama-se respirar sem medo de morrer. Chama-se SER.


Pura indeterminação que me deixa completamente determinada. Vou voltar para ser.

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